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terça-feira, janeiro 17, 2006
 

BARGANHAS & BUROCRACIAS

Tive recentemente três decepções na minha vida.

Nah, tou brincando. Foram apenas desapontamentos cotidianos com pessoas mundanas (figurantes no grande seriado da vida) com as quais eu sequer interagi:

1) Eu ´tava andando na Avenida do Contorno e conseguia ouvir atrás de mim as vozes de dois jovens, sem dúvida crescidos e muito boca-suja, tecendo os comentários dos mais espinhosos sobre os fatos da vida (i.e., garotas). Eu tinha certeza de que eles deviam, pela voz e pela fala, ser da minha idade ou ao menos próximos. Sou forçado a parar de andar porque o semáforo fica vermelho para pedestres.

Ao meu lado, surgem dois garotos que dificilmente ultrapassam os catorze anos, bonés and whatnot...

2) Eu ´tava no ônibus¹ sentado ao fundo, e num daqueles bancos inversos (no qual o passageiro viaja de costas) estava sentada uma bela moçoila de jeans e camiseta, usando um fone de ouvido. De repente, eu percebo que ela abre um largo sorriso, e chega a rir sozinha. Tenho comigo o doce pensamento de que ela certamente está recordando uma memória muito agradável ou começou a viajar em algum formidável plano; ou, no mínimo, está ouvindo os primeiros segundos de sua música favorita. Encho-me de satisfação com o fato de que a imaginação e a felicidade interna habitam todas as mentes humanas, bem como a empolgação vívida e simples que temos com música. Então reparo que ela está falando sozinha. Estremeço. Ela está viajando mesmo!

Não, espera - o fone de ouvido está conectado a um celular. Ela sorriu simplesmente porque era alguém falando com ela no telefone...

3) Eu ´tava sentado num banco do Pátio Savassi, terminando uma lata de Coca-Cola. À minha frente, a vitrine da Leitura, na qual alguns garotos apontavam empolgados para os produtos à mostra; ao meu lado, no outro extremo do banco, um gordo de óculos que era sem dúvida pai de pelo menos um dos moleques. Pelo comportamento e respostas dele diante do entusiasmo dos meninos, não tinha dúvidas que se tratava de mais um pai desnaturado desses que vemos todos os dias. Eis quando um dos garotos deixa cair um dos bonecos que segurava.

"Ei filho", diz ele, "pega o Número Dois aí, ele caiu".

Número Dois! Ele sabia o nome do personagem!

(tá certo que, por outro lado, o Número Dois se parece com o tal pai...)

***

Conclusão: nós somos programados para nos decepcionarmos.

É verdade! Não é questão de memorizar preconceitos. Nós construímos preconceitos automaticamente. Basta recebermos estímulos (visuais, auditivos, que o valha) que não conseguimos resistir à tentação de tentar entender o que está havendo. Imediatamente passamos a encaixar peças e supôr outras. Resultado: se a situação tiver uma única variável imprevista, nós quebramos a cara.

And we CAN´T help it. Enquanto continuarmos tentando entender as coisas, continuaremos quebrando a cara.

Divertido, heh?

***

Estou vivendo minha última semana adolescente. Hoje, por exemplo, é minha última terça-feira adolescente. Meu último dia adolescente é sexta.

Aqui e ali faço coisas típicas de adolescente. Ou ao menos da minha adolescência. Por exemplo: sair sem beijar na boca, perder prazos, e ir ao dentista.

Hmmm. Pensando bem, talvez eu prefira voltar ao mês passado. Aquilo foi tipo um universo paralelo.

***

Vocês sabiam que um monte de gente leu o último post ("A Persistência da Memória"), adorou, e não deixou comentário? O pessoal é tímido, só comenta privadamente, pelo MSN. ´Dá vontade de publicar esses comentários no blog pra todo mundo ver =p. Nah, brincadeira.

***

O Teorema da Incompletude de Gödel afirma que nenhum sistema pode explicar a si mesmo. Tipo: só com a matemática dos números naturais (N) não dá pra fazer tudo que é possível com os números naturais. Você sempre precisa sair da caixa pra entender toda a caixa.

Será que então o cérebro humano é indecifrável? Afinal, entendê-lo requereria que a gente saia dele?

***

Depois da 4ª série e antes da faculdade eu só tinha amigos caras. Eu nunca participei daquelas turminhas super-maneiras mistas que no final todo mundo acaba ficando com todo mundo, como nos seriados. Evidentemente, isto não quer dizer que eu não conversava com garotas; apenas, que as via somente em aulas e festas.

Hoje eu participo de turminhas super-maneiras mistas que no final todo mundo acaba ficando com todo mundo. E claro que é muito legal. E eu fico pensando: se eu tivesse participado dessas turminhas desde o começo, teria sido MAIS legal?

Mas then again, se sim, e se tivesse sido mais legal, eu nunca CHEGARIA a cogitar!² a possibilidade contrária. Eu sentado no McDonald´s da Savassi pensando "nossa, já imaginou se durante o Ensino Médio eu só tivesse amigos caras..."




¹ Fica parecendo Gererê né! "Eu ´tava", etc.

² Uso livre do "!" para que a escrita pareça mais com o modo como eu falo (de vez em quando ponho ênfase numa palavra no meio da frase e interrompo a fala por um instante, exatamente como está escrito).
 

Peixes:
segunda-feira, janeiro 09, 2006
 

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA


Meu avô perdeu a memória.

Ele não reconhece mais nem os próprios filhos.

Isso não é mais um impacto pra mim. Eu descobri tem uns treze meses. Foi perto do Natal do ano retrasado. Eu não visito mais a cidade dos meus avós com a mesma freqüência de antes; as festas de fim de ano são uma das pouquíssimas ocasiões. E foi numa dessas visitas casuais que eu descobri o estado do meu vô: ele não faz mais as mesmas piadinhas de sempre com meu nome ("Frederico, nasceu pobre e ficou rico!", etc.) quando nos recebe. Na verdade, não chama ninguém pelo nome.

Eu sempre gostei de ver a vida como uma grande narrativa épica, na qual "o mundo é infinitamente misterioso e interessante". Desde criança, vesti a pele de inúmeros heróis, salvei incontáveis mundos e vivi um sem-número de aventuras - mesmo em ocasiões simples como se arrumar para uma festa ouvindo música (e depois tantas mais durante a festa em si).

Mas no final, what does this ammounts to? Pra onde essas inenarráveis sagas nos levam? Após desbravar mares e enfrentar medusas, para onde a gente vai? Qual o destino dessa odisséia toda?

Minha resposta formulada mês passado em conversa com uma amiga era a de que o objetivo da vida é a própria narrativa. Como em Shakespeare, a vida é uma peça. É pra isso que vivemos: para construir uma narrativa, uma história tão grandiosa e longa que não pode ser resumida adequadamente em texto, mas no impacto que exercemos sobre outras pessoas. Nascemos para fazer os outros felizes, e nossas ações servem, dentre outras coisas, para fazerem os outros sentirem que isto é real - que não é uma peça, que elas não estão sozinhas; mas que todos nós somos atores e personagens num grande palco infinitamente misterioso e interessante.

Evidentemente, tudo isto só pode ser adequadamente aproveitado - com efeito, tudo isto só pode fazer sentido - se existir algo minimamente duradouro.

Memória.

É a única forma de aprendermos com nossos erros. É a unica forma de construirmos sagas cada vez mais elaboradas. A única forma de adicionarmos personagens curiosos e intrigantes.

E é o único pré-requisito para tecermos uma história. Para que a história se mova adiante - seja ao pé da letra, seja para recolhermos flashbacks - precisamos construir sobre o que já existe. Capítulo após capítulo, nós confiamos na memória para construirmos uma narrativa.

A morte não nos tira o sentido. A memória da nossa vida permanece - nas pessoas que nos conheceram, nas nossas obras, em nossas realizações, em cada pessoa para a qual já contamos um evento de nossa vida.

Mas quando a própria memória se vai - qual é o sentido?



***



Quando nossas memórias nos enganam ou não mais existem, de que vale a nossa vida? Como assegurar que você é você mesmo, se você não sabe a quem pertencem essas memórias que ficam te dizendo o que você fez ou quem você conhece? Quem somos - senão a caixinha de memórias que temos embaixo da cama?

Uma vida sem memória é uma vida falsa. Vidas falsas não podem fazer as pessoas felizes. Ficar em coma sonhando para sempre; ou sentado numa casa que você não conhece com alguém que você não conhece cuidando de você, recebendo visita desconhecida após visita desconhecida.

Como sabemos que isto é real? Se o sentido da vida é fazer outras pessoas felizes, como sabermos que estamos fazendo isso e não presos em nossa própria caixinha de memórias cada vez mais vazia - como uma caixa de Pandora que corre o risco de ficar ainda pior porque não nos lembramos sequer de nossos momentos de infância quando aprendemos a decifrar as cores?

Como saber pra quem a gente poderia telefonar as duas da manhã e pedir pra nos contar que isto é real, que a gente existe pra elas, que as deixamos felizes...?

Talvez a realidade esteja na escolha que fazemos. Não apenas na escolha de para quem ligar: na consideração de quem atenderia, quem levaria a sério, quem pediria para conversar no outro dia e quem, finalmente, levantaria da cama e chamaria para uma conversa imediata face-a-face.

Mas na escolha de ligar ou não.



***



Meu avô não pode reviver sua saga, afinal. Na verdade, não pode mais viver saga nenhuma. Essa experiência ele não pode mais ter, porque não é concebível viver sem memória.

Mas isso não tira o sentido. Embora ele não possa mais reviver suas incontáveis epopéias, ele deixou marcas indeléveis em pessoas que ainda tem memória. E essas pessoas continuarão os desdobramentos dos capítulos da narrativa do meu avô com outras pessoas, que farão o mesmo em outras, e assim por diante.

No mínimo dos mínimos, meu avô criou meu pai. E meu pai me criou. E eu sei que estou aqui para isso: viver uma aventura tão indescritivelmente épica e tão maravilhosamente deslumbrante que não pode ser narrada em palavras.
 

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