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segunda-feira, setembro 12, 2005
 

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS

Não faltam constatações de como a chamada memória curta do brasileiro a) existe e b) é perigosa. Uma pena que esta afirmativa se baseie num motivo tão mesquinho: a reeleição de corruptos.

Segundo o senso comum nos dita e a Lídia¹ martela, a memória curta é oportunidade para abutres. Políticos corruptos, so the saying goes, se aproveitam dela para varrerem pra debaixo do tapete suas artimanhas nefastas e perpetuarem suas parasitosas existências, proliferando eles mesmos e gente de mente semelhante (parentes sempre em especial destaque) em seus ratazânicos mandatos.

A afirmação, inda que verdadeira, é ingênua. A memória curta é muito mais perigosa do que uma simples perpetuação de roubalheira numa república de bananas, com um Estado tão gracioso e super-crescido quanto Majin Boo.

Se quem esquece o Passado está condenado a repetí-lo, os brasileiros estão livres desse destino. Os brasileiros não podem esquecer o Passado, porque jamais se lembraram dele; e de fato, sequer perceberam o que realmente era o Passado quando ele ainda se chamava Presente e passou bem diante de seus narizes.

Deixei no meu MSN uma lembrança do quarto aniversário da terça-feira. Não foram poucas as pessoas que registraram um "nossa, nem lembrava, é mesmo" e comentários do tipo.

O mais violento ataque terrorista de todos os tempos, indubitavelmente o acontecimento histórico mais importante das vidas dessas pessoas (pois são muito novas para se lembrar da queda do Muro de Berlim), televisionado e lidiatizado to endless degree, ocorrido há apenas quatro anos - se perdeu.

Às vinte horas do mesmo dia, eu casualmente sintonizado na Oi FM ouvi o apresentador dizer que era um absurdo que George W. Bush não tenha assinado o Protocolo de Quioto. Cumprimentou a iniciativa de alguns estados americanos em promover as metas de redução de emissões de gases, e chegou mesmo a - pasmem - conclamar uma invasão aos Estados Unidos, dizendo que justificava-se só por causa dessa não-assinatura por parte de "um dos países mais poluidores do mundo". Depois delongou-se sobre como a administração Bush estava reduzindo a auto-estima e a imagem dos americanos.

Que um apresentador tenha achado razoável conclamar casualmente uma invasão ao terceiro país mais populoso do mundo - simplesmente porque seu Presidente não assinou um Tratado que, de qualquer forma, não será ratificado pelo Congresso - em pleno aniversário da terça-feira não parece ter causado espanto para ninguém além de mim.

Da mesma forma, a festa temática que a FAFICH realizou há um ano (tema: os ataques de terça-feira; slogan: "essa festa vai bombar") também não causou nenhum espanto em ninguém além de mim, nem sequer nos brilhantes professores que nos dão aulas.

Já ouvi até teorias sobre o "espetáculo asséptico" da terça-feira. Teria sido um ato de violência sem sangue, apenas adequado aos tempos modernos. Digamos, algo rápido e sem dor.

Tudo mentira, é claro. Os relatos dos sobreviventes bastam para falsificar essa baboseira. Pessoas foram cortadas por destroços, atravessadas por ferros, perfuradas por vidros. Muita gente viu pessoas pulando de centenas de metros e se espatifando no pátio entre as duas Torres. Incluindo uma mulher grávida. Isto é o espetáculo asséptico que nos querem fazer enxergar?

O fenômeno parece ser global. Li outro dia na versão internética do Crimson - o jornal estudantil da Harvard - um artigo sobre como, em pleno 6 de agosto de 2005, nenhum americano parecia dar a mínima sobre o 60º aniversário de um certo ataque ao Japão. É como se aquelas armas não existissem, não tivessem aterrorizado o globo por qüarenta e cinco anos, não tivessem se proliferado pela Índia, Paquistão, Israel e Coréia do Norte, e não fossem, de forma alguma, fonte de preocupação. Muito menos para os americanos, seguríssimos que estão em seu território.

Para um povo que não faz mais a mínima idéia de quem foi Sérgio Vieira de Mello, nada mais natural que continuar do lado dos insurgentes no Iraque.

Para um povo que não faz mais a mínima idéia de quem foi Tim Lopes, nada mais natural que continuar do lado dos traficantes.

Para um povo que não faz mais a mínima idéia do que foi a União Soviética, nada mais natural que ser socialista.

Para um povo de memória curta, nada mais natural que achar a roubalheira mais perigosa que o terrorismo, a opressão e o socialismo.

***

Para o artigo original no Crimson, ver
http://www.thecrimson.com/today/article508374.html.


¹ Para os novatos no blog: meu termo para substituir o asqueroso lugar-comum que rima com Lídia e começa com "m".
 

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