“São vitórias, mas ainda insuficientes”, diz Spinelli. Permanecem dois graves problemas: “o processo de liberação de verbas passaria pela Secretaria criada pela proposta, e a Fatec, da Unesp, se desvincularia do ensino superior, passando a ser apenas escola técnica”. A autonomia administrativa, conta, foi obtida justamente por uma greve, em 89. Ela resume os cinco pontos do movimento: oposição à proposta de Serra e à Reforma Universitária, eleições diretas para reitor, anistia para os estudantes da ocupação, e mais verbas para a educação.
RELAÇÕES EXTERIORES - O G1 noticiou que os estudantes negaram vínculo com sindicatos ou partidos. Spinelli diz que atividades políticas “atuam sim nos movimentos sociais” e esta “não foge à regra. A ocupação ganhou um caráter político muito forte, como símbolo da greve das [universidades] estaduais”. O envolvimento parece bem forte. Para Bruno Simões, bacharel em Direito pela USP “a tal universidade autônoma, que tanto tem sido objeto dos discursos de apoio à invasão da reitoria, não passa de um pretexto para criar mais uma frente de disputa política entre o governo estadual e a oposição partidária de esquerda”.
Em relação à declaração do presidente da UNE, Gustavo Petta, de solidariedade à ocupação, Spinelli diz que foi uma atitude oportunista, “[ele] quis ir no embalo”. A UNE, governista, não compareceu ao prédio nem trouxe nenhuma ajuda aos ocupantes, afirma, e “não representa os estudantes”. Já Rafael Prince, estudante de Direito da USP, diz que a grande maioria dos uspianos não se sente representada tampouco pelos ocupantes. “Até aqueles que os apoiavam”, diz, “estão repensando suas opiniões devido ao excessivo e desnecessário prolongamento da ocupação, mesmo após tantas vitórias”. A ocupação deveria ser pontual e específica, ressalta Prince. “Os alunos tinham que sair de lá de cabeça erguida após o decreto da semana passada, mas insistem em permanecer e fazer mais e mais reivindicações”.
O QUE ELES QUEREM - Bruno Almeida, estudante de Relações Internacionais da USP, diz que teve a rotina pouco interrompida pela manifestação, apenas não almoça mais no bandejão. “A ocupação de um prédio público como forma de protesto tem a sua validade”, declara, “se não impedir o funcionamento das atividades normais da instituição. Mas a situação na USP não se encontra mais dessa maneira; serão necessários aproximadamente seis meses de trabalho para colocar em ordem a burocracia”.
“A expedição de diplomas está suspensa”, diz Simões. “O meu diploma, por exemplo, sabe-se lá quando receberei”.
Ambos Prince e Almeida concordam que o decreto inicial do governo era realmente nebuloso, mal-escrito – “o governo estadual não consultou a comunidade acadêmica diretamente envolvida”, esclarece Prince.
Apesar de contrário à ocupação, Simões também tem reservas em relação à proposta do governo. “A USP em tese ficaria vulnerável aos contingenciamento das verbas estaduais pelo próprio Governador”, diz Simões. “Se você direciona a pesquisa científica, você acaba ferindo liberdades acadêmicas, obrigando as unidades a trabalharem a pesquisa de um modo muito menos livre. Não se pode agredir a criação e a inovação com o direcionamento das pesquisas”.
BUSH NO IRAQUE, LULA NO HAITI... - Mas as demandas parecem ir muito além das resumidas por Spinelli. “Existe uma miríade de reivindicações de diversos grupos que compõem os alunos que ocupam a reitoria”, explica Almeida. “Primeiramente existem as demandas para a revisão ou derrubada dos decretos estaduais; depois as demandas por melhores condições na USP, como mais blocos de residência universitária, bandejão e transporte no campus nos fins de semana, reformas de prédios e afins; por fim, existe um grupo mais radical que exige a derrubada da reitora e do governador, o fim do vestibular para entrar na USP e outras demandas que na minha opinião são completamente infactíveis”.
As táticas dos ocupantes são bastante incisivas. “Os invasores pegaram os e-mails de todos os alunos, que estavam catalogados na Reitoria, e incluíram todos os alunos da USP inteira no grupo eletrônico deles”, conta Simões. “Bastou alguém mandar a primeira mensagem, para milhares de pessoas descobrirem que era impossível sair do e-grupo. Eu mesmo fui adicionado e bloqueei os e-mails do grupo”.
Em meio a tantos xiitas, fica difícil saber quem é Ahmadinejad e quem é Bush; sabemos apenas que Bagdá é aqui. Ou o Haiti, mesmo.
Se bem que, em se tratando de movimento estudantil (i.e. comunistas), a reitoria da USP não é o Vietnã. E nem o Iraque.
É o Afeganistão.
“Os dois lados têm de ceder um pouco”, resume Prince. Simôes discorda: “eu acho que não é o caso de negociar, é o caso de processar os invasores.”