<$BlogRSDURL$>
Doidimais Corporation
Pesquisa personalizada
terça-feira, abril 26, 2005
 

EGITO

Hoje vou falar da minha testa.

Parece um tanto quanto egoísta, mas afinal de contas eu escrevo é pra mim (se publico na rede mundial de computadores é na base d´"o que vier é lucro"¹) , e vocês não precisam ler (olha que prepotência, eu escrevendo no plural). Vou falar da minha testa, pronto.

Não, não vou falar de uma festa que eu dei e você está lendo errado. Não sou socialáite² - embora, para meu embaraço, quando criança tive uma época em que, ao ser perguntado o que [quer]ia ser quando crescer, respondia "socialáite multimilionário", justamente porque este era, em uma revista, o campo "ocupação" na ficha do Batman. Tem gente que fala de olhos, de boca, de seios, enfim (se não dos próprios, fala das partes de outrem). Eu vou falar de testa. A minha, no caso.

Ilustríssimos,

Minha testa é parte integrante de minha identidade visual. Em minhas melhores fotos, lá está ela³, estampada. Em algumas fotos especialmente boas, ela se encontra curvada, acompanhando a inclinação da cabeça, não raro exibindo inúmeras espinhas, às vezes servindo de suporte para uma modesta franja que se movimenta. Não há Cedê sem testa, e certamente, se há um Zimba, ele também dela depende.

Por dezenove anos, minha testa acompanhou-me imaculada. Embora os olhos logo abaixo dela tenham visto muitas coisas ruborizadoras, a testa nunca foi fonte de maior preocupação, nem palco ou alvo de nada demais. Com minha testa de sempre, sinal inabalável de minha futura calvície e alvo de ridicularizações sobre seu gigantesco tamanho, passei minha infância, entrei no colégio, participei de meu primeiro modelo, tive meu primeiro beijo, fiz meu discurso de formatura, passei no vestibular, fui a festas, saí do Brasil e voltei, visitei inúmeras cidades, fui ao show do DJ Tiësto, escrevi milhares de textos, fundei o DOIDIMAIS CORPORATION (não necessariamente nessa ordem!!). Por dezenove anos minha testa me acompanhou, sem maiores percalços (à ela, porque eu sofri até bastante nesse caminho todo), limpa e lisa na medida do possível.

Mas isso agora acabou.

Na madrugada de sábado para domingo último, bati a cabeça numa placa.

Ninguém acredita quando eu conto. O que não seria tão ruim se a pergunta "o quê aconteceu?" não fosse de longe a mais repetida para mim nas últimas sessenta horas or so, pergunta essa acompanhada sempre de um dedo indicador ou ao menos um olhar bem incisivo acima de meus olhos - como se já não fosse óbvio o bastante sobre o quê é a pergunta.

Meus caríssimos, meus ilustríssimos e meus excelentíssimos,

Andando distraído num estacionamento à saída de um show, bati a cabeça numa placa em Brasília. Minha marca não é a da violência, a do narcotismo, a do trânsito nem a da falta de civilidade. É a da mais pura distração (ou não: veja mais abaixo). Senhoras e senhores, damas e cavalheiros, autoridade presentes, ´fessoras e ´fessores, caros universitários, prezados amigos, excelsos jornalistas, ilustríssimos ministros, diretores executivos e delegados, representantes do mundo - bati a cabeça numa placa. Eu não tenho orgulho disso nem faz parte da política externa de nenhuma das inúmeras instituições para as quais trabalho ou estudo, mas é a verdade e a verdade tem que ser dita na cara. Porque se não for, a testa irá testemunhar em contrário.

Sirs and Madams, brothers and sisters,

Juro que, em todas as visões de meu futuro - das mais ambiciosas às mais apocalítpicas, das mais insanas às mais bucólicas - sempre me vi com uma testa sem grandes marcas. Talvez rugas, talvez um olhar de velho maluco - mas fosse como Presidente do Brasil, diplomata, jornalista da última página da VEJA, fotógrafo da Playboy, astronauta, DJ, cientista, arqueólogo, roadie do Underdog, marido da Daniela Sarahyba ou socialáite multimilionário (dentre muitos outros), o Cedê/Fred/Zimba do futuro era sempre um cara com uma testa imaculada. Esta visão, salvo a possiblidade de que a cicatrização humana seja tão boa quanto o sr. Cardoso Mendes quer me fazer crer, deve ser revista pela adição, no grande Photosop mental, de uma cicatriz na testa.

Inspiradíssimos,

Queira o Destino que quando pessoas que acabaram de me conhecer, ao conversarem entre si sobre mim em minha ausência, não digam coisas do tipo: "não lembra? aquele com a marca na testa" em vez de usarem como lembrete algo que eu tenha dito ou feito.

Queira o Destino que a marca seja apenas uma marca, e não passe a priori uma impressão de pena, nem de medo nem de rejeição, ou qualquer outra.

My dearest, my fondest,

Neste exato momento em que escrevo (o que não quer dizer que você lerá os parágrafos na mesma ordem em que foram escritos, nem que eles estejam dispostos na mesma ordem em que foram escritos, o que são duas coisas muito diferentes) ouço Saturday Night pela primeira vez depois do acidente. Tudo agora será assim: tudo terá uma primeira vez depois da placa. Sem guardar as devidas proporções - pois não faço idéia de quais sejam - imagino que assim seja para alguém que sofre um acidente mais grave, quebra algo, talvez para sempre. Viver a vida toda de novo.

Já tenho uma cicatriz com a qual não tenho problemas, no lado direito do peito. Mas essa dá pra esconder em qualquer lugar que não se chame "praia", "piscina", ou "clube", e ademais raramente é notada. Agora é tudo diferente. Sei que só irão entender a conclusão aqueles que conhecem toda história, mas a verdade é esta:

Carrego na testa a marca de minha libido.



¹ Que inovação, apóstrofe e aspas ao mesmo tempo! Essa nem a SINUS fazia!*

² À moda de Millôr Fernandes. Que para a felicidade do mundo voltou à VEJA já faz algum tempo.

³ Sem perceber, escrevi isto, que é uma grande babaquice. Leiam de novo e vão entender porquê.

* Isto foi só uma provocação.
 

Peixes:
Comments:
Hm.

Excelente e fina peça de literatura, de refinados humor e vocaublário.

Dileto colega, congratulo-o pela nova fase inaugurada com a nova testa.
 
Postar um comentário
A corporação mais lucrativa, subversiva e informativa do planeta. Doidimais Corporation- expandindo pelo mundo para que você expanda o seu. Doidimais Corporation- ajudando você a ver o mundo com outros olhos: os seus. Doidimais Corporation- a corporation doidimais. doidimaiscorporation[arrouba]gmail[ponto]com

ARQUIVOS
fevereiro 2004 / março 2004 / abril 2004 / maio 2004 / junho 2004 / julho 2004 / agosto 2004 / setembro 2004 / outubro 2004 / novembro 2004 / dezembro 2004 / janeiro 2005 / fevereiro 2005 / março 2005 / abril 2005 / maio 2005 / junho 2005 / julho 2005 / agosto 2005 / setembro 2005 / outubro 2005 / novembro 2005 / dezembro 2005 / janeiro 2006 / fevereiro 2006 / março 2006 / maio 2006 / junho 2006 / agosto 2006 / março 2007 / maio 2007 / junho 2007 / dezembro 2007 / março 2008 / maio 2008 / junho 2008 / agosto 2008 / março 2009 /


Powered by Blogger