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quarta-feira, outubro 06, 2004
 

A DIFÍCIL ESCOLHA

Faz parte do senso comum diferenciar assim as Ciências Naturais¹ das Ciências Sociais: enquanto nas primeiras o conhecimento e os paradigmas são certinhos e bem-definidos - com a resolução de problemas eficiente - nas últimas o que se tem são debates sem fim nos quais qualquer ponto de vista é aceitável, e os problemas nunca encontram uma solução satisfatória para todos.

Tal pensamento pulula nas mentes de muitos universitários de ambas as áreas. É um câncer, uma podreira sem fundamento algum, uma gigantesca duma besteira que só faz atrapalhar o discernimento das verdadeiras diferenças.

É claro que nas Ciências Sociais qualquer ponto de vista é aceitável. Da mesma forma que na televisão brasileira uma mulher anuncia que alimenta-se apenas de água e luz. Tenho certeza que os bacharéis em Medicina e Ciências Biológicas morrem de amor por essa mulher, por sua contribuição inestimável em espalhar os fundamentos da verdadeira Ciência. Certamente ela goza de todo o respaldo desses bionerds e afins.

É claro que nas Ciências Sociais ocorre o embate eterno entre velhos paradigmas. Da mesma forma que na atualidade convivem tanto seguidores quanto críticos de Einstein - e qualquer apreciador de Física saberá citar nomes de estudiosos de ambos os lados.

Sim, é claro que em Ciências Sociais não existem conceitos ou verdades absolutas. Nem soluções incontestáveis para problemas. Da mesma forma que em Ciências Naturais - constantemente pressionadas pelas novas descobertas e invenções a reavaliar antigas asserções, corrigir erros de cálculo, aprimorar a eficiência do que se julgava top de linha e até derrubar velhas verdades - como a impossibilidade de clonagem ou a indivisibilidade do átomo.

Ora, se a diferença entre Ciências Naturais e Sociais não reside na grande besteira que pensa o senso comum, onde está ela então? Se não, vejamos.

Falando do inevitável declínio de qualquer sistema internacional unipolar, Christopher Layne nos ensina

"altough prevention may seen attractive at first blush, it is a stop-gap mesaure. It may work once, but over the time the effect of differential growth rates ensures that other challengers will subsequently appear."

Isto é, a potência unipolar de um sistema internacional não fará bem em usar de ações militares para impedir que novas potências surjam. Esta é uma medida dispendiosa que no máximo pode atrasar por algumas décadas a inevitável ascensão de novos países super-poderosos.

Mudemos de assunto. Falando sobre a formação de grupos, e utilizando seu conhecimento em Economia para produzir Sociologia², Mancur Olson esclarece

" Quanto maior for o grupo, mais longe ele ficará de atingir o ponto ótimo de obtenção do benefício coletivo e menos provável será que ele aja para obter até mesmo uma quantidade mínima desse benefício. Em síntese, quanto maior for o grupo, menos ele promoverá seus interesses comuns".

Em outras palavras, os grupos grandes - que afinal são mais representativos e democráticos do que os pequenos - são, por outro lado, menos eficientes. Mas há esperança:

" Essa subotimidade ou ineficiência será menos grave em grupos compostos por membros de tamanhos, ou graus de interesse pelo benefício coletivo, muito diferentes entre si".

Ops, mas eis outro problema. Aumentar a eficiência significa reduzir a igualdade entre os membros do grupo.

Citando o professor John James³, escreve ainda Olson:

"Chegamos à conclusão", escreve ele, "de que os comitês devem ser pequenos quando se espera ação, e relativamente grandes quando se buscam pontos de vista, reações, etc."

O que apenas reforça o que foi dito pouco antes. Passemos a uma terceira questão das Ciências Sociais.

Falando da política de alianças no dilema da segurança, e sobre as decisões dos Estados em se aliar ou não, e qual deve ser o compromisso nelas, escreve Glenn Snyder:

" Once alliances have begun to form, the alliance security dilemma takes on a different character. That is (...) their choices are no longer whether to ally or not, but how firmly to commit themselves to the proto-partner and how much support to give that partner in specific conflict interactions with the adversary. (...) The horns of this secondary dilemma may be described by the tradtional labels "cooperate" (C) and "defect" (D), where cooperation means a strong general commitment and full support in specific adversary conflicts, and defection means a weak commitment and no support in conflicts with the adversary".

E continua:

"Each horn of the dilemma has both prospective good and prospective bad consequences: and the "goods" and "bads" for each alternative tend to be the obverse of those of the other. In the alliance security dilemma, the principal "bads" are abandonment and entrapment, and the princiapl "goods" are a reduction in the risks of being abandoned or entrapped by the ally. (...) The risks of abandonment and entrapment tend to vary inversely: reducing one tends to increase the other."

Estas três questões claramente ilustram o cerne da distinção entre as Sociais e as Naturais. Enquanto nas últimas a melhor solução para um dado problema é não apenas certa de existir, mas freqüentemente alcançada - e ainda encontra apoio largo ou mesmo unânime da comunidade científica - nas primeiras isto não ocorre, porque os problemas são ambivalentes, dialéticos, dicotômicos.

Isto não quer dizer que sempre exista consenso em Ciências Naturais. Isto não quer dizer que os problemas das Naturais encontram soluções definitivas.

Isto quer dizer simplesmente que em Ciências Naturais a lógica é sempre achar a melhor solução para um dado problema, com a certeza de que essa solução existe.

Por outro lado, os problemas em Ciências Sociais funcionam sempre na base do se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Sempre existem trade-offs, e saber qual lado é mais atraente é sempre muito difícil - especialmente porque nem sempre se sabe se há de fato um trade-off mais atraente do que o outro.

Ciências Naturais é uma questão de saber como escapar de um quartinho fechado. Ciências Sociais é uma questão de decidir qual das paredes desse quarto é mais macia para que possamos meter a cabeça nela com força.

***

Eu tenho mais um montão de idéias para postar, mas vou deixar para depois porque este post já tem bastante texto.

¹ Há um óbvio problema com a nomenclatura utilizada. Estudar coletividades e seres humanos me parece tão natural quanto estudar relâmpagos e gálaxias. Da mesma forma, toda Ciência é um fenômeno social, construída necessariamente sobre o trabalho de outros seres humanos, passado adiante pela cultura. Os termos "Biológicas", "Exatas" e "Humanas", porém, também não me agradam. O primeiro se recusa a incluir satisfatoriamente a Psicologia; o segundo obscurece todos os erros e imprecisões dos cientistas; e o terceiro é um pleonasmo: todas as Ciências são Humanas, pois somente os humanos fazem Ciência. Duh. Em conclusão, os rótulos apenas obnubilam as verdadeiras qualidades dos conhecimentos.

² Estou ciente do imenso perigo que é economista fazendo texto que acaba sendo aproveitado em Sociologia. Um certo alemão barbudo fez isso e as conseqüências são sentidas até hoje.

³ Sim, realmente parece um hoax. Eu também não acreditei quando li.
 

Peixes:
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