Ô, SEU MÁRIO!
Se eu começar a usar
tutti quanti, é porque fui influenciado por Olavo de Carvalho. Não posso, não devo - não é o
meu estilo.
O máximo de latim que arrisco é um
Finis, ao final de um livro meu. Até agora escrevi apenas um, mas coloquei o
Finis nonetheless.
Ensinei-me a evitar ao máximo o
etc. E se uso é com respeito -
et cetera. Além disso,
nunca uso
aquela palavrinha - derivada do latim, começada com "m", realmente nojenta e mais bode expiatório que a Alemanha ao fim de guerra. Sempre a substituo por "raça jornalista", termo igualmente equivocado e feio, mas ao menos inédito.
Outro dia lia uns textos no
Mídia sem Máscara e vi alguém usando o
tutti quanti, e não era Olavo de Carvalho. Daqui a pouco vão copiar também seu
et caterva.
Copiar não seria o termo adequado. A expressão não é
dele: tem milênios¹. Inda assim, um autor - cujo nome agora não me recordo - que já leio há algum tempo e nunca vi usar o
tutti quanti o fez. Como Olavo de Carvalho o faz o tempo todo, conclui-se que foi por influência dele. Com o tempo, o constante uso de certas expressões acaba se tornando uma espécie de
assinatura que percorre o texto várias vezes. Como o "riu-se" e o "danou" do Monteiro Lobato. Ou o "tergiversar" e o "obnubilar" do Roberto Pompeu de Toledo. E tal².
(Eu tenho minhas assinaturas também. Vocês conseguem dizer quais?)
O que me leva a dizer que um texto não é apenas as idéias defendidas, ou os fatos e argumentos que conferem sustentabilidade à tese. Sempre foi para mim fundamental que o texto seja agradável de ler. Isso não significa palavras pequenas e muitas piadinhas. Não precisam ser todos um bando de Luíses Fernandos Veríssimos (que não pode ser citado só como
Veríssimo para não confundir com o pai). Mas uma escrita correta, porém feia, está longe de ser tão funcional quanto as que se preocupam mais com a arquitetura frasal. "Feio, mas funcional", pode servir para o futebol alemão - nunca para a Escrita.
Basta comparar um texto de Raymond Aron com um de Kenneth Waltz. Embora ambos falem de ciências sociais ( é certo que não é lá exatamente a mesma abordagem ou o mesmo tópico, mas imaginemos um leitor igualmente interessado em Sociologia e em Internações Relacionais), Waltz o faz com muito mais sucesso. Suas frases evitam muitos substantivos abstratos de uma vez só. Também faz frases mais curtas. Usa analogias. Faz piadinhas, algumas bem saborosas. Seus textos, porque mais agradáveis, se tornam mais didáticos, mais úteis, mais convincentes, e mais fáceis de apreender, se argumentar e discutir sobre. Quanto mais agradável é um texto, mais claro ele é - e quanto mais claro, mais fácil é estabelecer uma discussão a respeito, já que menores são as chances de que o tópico evada para as "verdadeiras intenções" do autor.
E claro, um texto têm maiores chances de se tornar agradável se pudermos discernir algumas boas assinaturas.
***
- "Dias úteis".
- Como assim?
Eu pensei sobre a total equivocação e preconceito nesse termo ontem. Como raios pode-se definir que certos dias da semana são "úteis"? Isso torna, fatalmente, os outros dias
inúteis. Estamos diante de um adjetivo absoluto, ao menos em primeira instância. Se certos dias fossem
bonitos, isso não torna os outros
feios - podem ser apenas
sem graça. Se certos dias são
caros, isso não torna os outros
baratos - podem ser simplesmente
no preço certo. Todavia, se uns são
úteis, aos outros resta apenas o triste destino da
inutilidade. Não há uma linha tênue entre um e outro. Não é possível elevar a utilidade de algo sem que essa coisa a) permaneça inútil, inda que menos ou b) torne-se útil. Inda que eu admita a possiblidade de que algumas coisas sejam mais úteis que outras, não há meio-termo. Colocando-se numa escala gráfica, é como se não houvesse zero. Existe zero em beleza ou em preço (nem bonito, nem feio, nem barato, nem caro). Mas em utilidade não. Ou você está do lado de lá ou do lado de cá - inda que possa
aproximar-se do zero. Só não pode chegar nele.
Portanto, pelo termo, conclui-se que os sábados, domingos e feriados são
dias inúteis. Isso significa que ao menos
dois sétimos da sua vida (para os brasileiros, consideravelmente mais do que isso!) são uma total
inutilidade. Não interessa se você usou aquele fim-de-semana para comprar um carro. Nem aquele Carnaval no qual você viveu uma divertida aventura. Muito menos aquele domingo no qual você conheceu um contato de negócios num congresso em Florianópolis. Nem aquele Dia dos Pais em que você levou seu filho para a Praça do Papa, nem aquele Dia de Tiradentes em que você começou a namorar, nem aquele 15 de novembro no qual você salvou a vida de seu amigo na cachoeira. É tudo
inútil, amigo. E
toda vez que você diz "dia útil" - percebendo ou não - você
concorda.
Hoje mesmo, a bibliotecária me contou que eu tinha sete dias úteis para devolver um livro e eu nem percebi. Já lhes contei sobre como não presto atenção no que eu mesmo escrevo - agora descobri que não presto atenção no que eu mesmo
penso.
E depois acham que eu me acho.
***
Esse negócio de computador em que você põe o dedo na tela em vez de usar teclado ou o
mouse nunca vai dar certo.
E se eu quiser realizar uma função levemente diferenciada na tela? Clico com o
dedo direito?
***
Vai rolar uma nova onda de empreendimento agora. Depois das academias de ginástica milionárias, o lance é diretórios acadêmicos milionários.
Por elevadas mensalidades, os universitários terão direito a DA´s imensos, de vários andares, com computadores com banda larga,
home theater, muitos sofás confortáveis, chão inteiramente acolchoado (é preciso tirar os sapatos ao entrar), muitos murais, folhas e material em abundância, saco de areia para desestressar, redes (muitas redes!) para dormir, jogos de dardos com as fotografias dos professores
, minibar, ar condicionado, massagistas de plantão, videogames com quatro controles, e o mais.
DOIDIMAIS CORPORATION - Trazendo a você
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¹
Não é à toa que é uma expressão em latim. Aliás, usei "milênios" em vez de "milênios de idade" para evitar o pleonasmo.
²
Assinatura de certo outro autor.
Peixes: